segunda-feira, fevereiro 03, 2014

O Personagem

É tudo monótono
Monocórdico,
Monocromático,
O meu monólogo
Um discurso cinzento,
Sinto-me traído
Pelo descanso,
Que engana os sentidos,
E é tudo uma ilusão
Tanto tempo para acordar
Já acordei.
Não.
Não há maneira de isto ficar bem
É uma coisa hedionda,
Cheira mal, repugna,
Dá asco!
A besta mais suja vomita
A humanidade é o réu e o carrasco.
Acredita em tanta coisa, e em nada acredita.
Ninguém vale nada!
Eu não valho nada!
Recebi isto como uma chapada!
Interpreto a vida como um castigo!
E eu já não sei se consigo...
Enganar-me mais.

Sou um cínico de um mentiroso!
Sou um mentiroso de um aldrabão!
Um aldrabão de um falso!
Caminho fétido, trôpego e descalço
Nesta calçada patriota,
Cheia de agulhas e vidros de garrafas de vinho do porto!
Vinho alentejano
E aguardente da Lourinhã.

É a social-democracia...
A social-democracia é uma merda!
O capitalismo é uma merda!
A direita é uma merda!
O centro é uma merda!
A esquerda é uma merda!
A extrema-esquerda satisfaz...
Lá com uns vestigiozinhos de fezes.
Mas o liberalismo é uma merda! Neo, clássico, libertino, tenho raiva, odeio, e BAM! Morra!
O barulho urbano é uma merda!
É tudo uma merda
E até o que não é uma merda cheira mal!
É uma massa intensa e pesada
Constituída por matéria fecal,
É uma visão, um cenário para o qual acordo sem vontade
É o quotidiano, é a merda de mentira
Que vivemos todos os dias!
E longe do que é límpido e cristalino
Sinto-me mal, sinto ódio,
O pessimismo corrói a minha alma de cristal
O cristal não vale nada!
A minha alma não vale nada!
Vou vendendo-a às pecinhas...
Sou como um péssimo último modelo dos anos 90
E sou mandado para o abate por auto-determinação.
E nem para o abate tenho coragem de ir!
Porque cheira horrivelmente mal
É horroroso!
O abate é uma merda!
O abate é o capitalismo
E todos sabemos o que é que o capitalismo é!
Mesmo que o defendam! Pretendentes de parasita!
É vender os membros e o espírito à produção desumana
E até mesmo a produção desumana mascara-se de luxo!
E convence-me de que preciso de merecer a vida
Quando eu não escolhi porra nenhuma!

E o teu Deus é uma merda!
E o teu Deus quer-te na merda!
O teu Deus odeia-te mais do que aquilo que eu te odeio
E quantas coisas mais eu odeio, porque sim!
Numa embriaguez de ódio.
O teu Deus quer-te mal e foste tu que o criaste
E deste-lhe um tapete numa benção,
E cumprimentaste-o alegremente numa eucaristia
E Deus tratou-te com o cúmulo da misantropia.
E... E... E! E!
E está tudo arruinado agora!
É ruínas fumarentas por toda a parte...
Ruínas de merda!
Só cansam o olhar!
Pior que as ruínas desta nação em obras embargadas
Só a televisão com os seus prémios falsos!
Com o seu evangelho subliminar a sublimar a tua identidade
A tua identidade que é uma merda, e não vale nada!
E eu odeio-te, mas nem te conheço!
E mesmo assim odeio-te menos do que os que te conhecem ou os que dizem que querem o melhor para ti!
E eu odeio-te bastante, porque és incapaz de enlouquecer.
Tu não mereces nem o que conquistas, nem o que te enfiam na boca contra a tua vontade!
Porque tu não cometes o crime do raciocínio
E eu sou um delinquente despercebido,
E já cansa observar esta alucinação através destes olhos
Já cansa interpretar esta aparente realidade,
Que mais pode não ser que uma mentira
E só me resta fechar os olhos e adormecer...
Ir para onde a ferida que estimulo orgulhosamente
Num jeito sádico e de amor ao ódio,
Cala, e onde o meu pensamento pode calar
E onde o meu monólogo negro pode acabar,
Pois já nem sinto sofrimento nem desespero...
Sento-me neste trono contemplativo, numa contemplação doentia
E só tenho ódio, ira autêntica, e uma ideia inédita e voraz,
De que tudo é uma merda!
Onde quer que a paixão não tenha residência.

E então eu sou o personagem,
O personagem de merda,
A quem a sinceridade cortou as cordas vocais.
Recebo a vida como um castigo,
E eu já não sei se consigo...
Enganar-me mais.

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